Dan Harmon e o que aprendi sobre Storytelling.

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Dan Harmon é o criador e roteirista de séries que sempre me interessaram: Rick and Morty e Community. Hoje encontra-se no mainstream com a série animada sobre sci-fi e humor absurdo, que conta com uma legião de fãs mongolóides fervorosos.
Porém não falarei de como Rick é niilista e toda aquela baboseira filosófica que alguns fãs acreditam ser o grande trunfo da série.

O que interessa na verdade é relatar minhas percepções em relação a Storytelling e a criação de personagens.
Recentemente terminei uma série que adiei por quase dois meses: Harmonquest.
Foi um grande desafio, não por conta da qualidade do programa, mas sim porque foi difícil achar os episódios em alta qualidade. Nem ao menos tinham legenda.
A premissa da série é bem simples:
Dan Harmon reúne alguns amigos comediantes para jogar RPG usando alguma versão genérica de D&D(se você não manja o que é isso, é só pensar no primeiro episódio de Stranger Things, é aquele jogo). Cada participante cria um personagem baseando-se num mundo fantástico recheado de monstros, magias, raças e aventuras épicas, bem naquele estilo medieval que já vimos em sei lá Eragon, Crônicas de Narnia e Senhor dos Anéis, enquanto um mestre dita as regras do jogo e do universo em que estão participando. O mestre é praticamente o narrador dessa aventura, ele define os acontecimentos da história e deve se adaptar às decisões e resultados dos jogadores.
O programa é gravado em uma espécie de teatro ou auditório, onde os participantes jogam ao vivo para uma plateia, que tem suas reações como parte do show. Eles editam e dividem em episódios de 20 minutos, para serem mais apropriados para o formato televiso. Há também a presença de animação no programa, em que os animadores dão forma visual a narração e conversa dos jogadores, dando vida a toda aquela aventura.
Bom, é isso. Uma partida de RPG gravada com animações por cima.
A ideia original do RPG é baseada na interpretação de papeis, mas o grande atrativo é criar personagens e sair por ai matando monstros e ganhando experiência para evoluir seus poderes, assim como nos videogames. É extremamente divertido para quem joga e está participando, mas talvez não seja tão legal para a audiência. E isso é algo que o criador do programa percebeu.
Acontece que Dan Harmon tem uma compulsão por elevar a história. Como roteirista há anos e em diversos projetos, contar uma história, para ele, tornou-se algo tão natural quanto chutar uma bola para um jogador de futebol, virou algo instintivo. Harmon está sempre com o botão roteirista/contador de histórias ligado, isso faz com que ele acabe destoando de seus colegas.
Isso resulta não apenas em momentos extremamente divertidos, mas também momentos recheados de história tão bons quanto em um seriado convencional.
 A maioria das decisões de Harmon durante as partidas deixa de lado a matança e a caça ao tesouro, mas foca no desenvolvimento de seu próprio personagem. Enquanto seus parceiros procuram ser os mais divertidos possível, Harmon se preocupa em ser o mais interessante. Isso não quer dizer que os outros participantes façam o show perder força ou algo assim, eles apenas soam diferentes e fazem sua parte como comediantes.
Vemos isso em uma cena de Batalha, onde o grupo principal enfrenta uma versão demoníaca de Chelsea Peretti(Brooklyn 99), todos resolvem atacar como usualmente, porém de repente Dan resolve sair correndo e fugir, o que surpreende o mestre, seus colegas e a audiência, que ri, quase como uma sitcom.
Enquanto nos jogos sempre buscamos criar personagens que irão ganhar poderes e habilidades novas, derrotando inimigos cada vez mais fortes e receber incríveis recompensas, Dan Harmon cria um personagem de RPG com questões pessoais, fragilidades e defeitos: o meio-orc Fondue.
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Há momentos em que piadas tornam-se parte fundamental desse desenvolvimento, por exemplo, quando seu parceiro Goblin faz uma piada com o fato de Fondue ter sido abandonado pelo pai quando era criança, um elemento trabalhado durante toda a campanha(que se estende por toda a temporada).
A criação de um arco dramático para um personagem de RPG é ainda mais interessante com a participação dos outros membros, que embarcam nessa loucura e reservam momentos engraçados em que discutem a função dele no grupo, pois o mesmo está sempre questionando suas próprias convicções.
Em alguns estudos sobre roteiro e narrativas, aprendi que existem certos pontos que são encontrados em diversas obras. Um ponto muito interessante é chamado de “Fraquezas e Necessidades”.
Uma história muitas vezes trata de um personagem superando suas fraquezas e descobrindo suas reais necessidades. É aquela velha história de conquistar o que precisamos e não o que queremos.
O Fondue de Harmon passa por essa transformação, tendo que superar o seu lado covarde para ajudar seus parceiros e descobrindo que o que realmente necessitava era a amizade, o que é uma grande piada, pois isso foi meio que forçado durante os improvisos. Porém os elementos de uma boa narrativa estão todos lá e funcionam, mesmo para uma história semi-improvisada.
Então ao final de tudo temos o aprofundamento das questões de Fondue. Descobrimos e talvez entendemos de onde vem seu lado covarde, talvez pelo abandono do pai ou por se descobrir homossexual em um mundo extremamente violento e preconceituoso.
 
Dan Harmon nos entrega e ensina lições valiosas sobre storytelling:
1 – Como entretenimento pode ser diferente para um criador e para audiência, Harmon adapta suas partidas para tornar aquilo mais atrativo para o público, mesmo que não conheçam o jogo.
2 – Como é possível criar personagens com conflitos internos e externos interessantes, ao contrário de personagens baseados apenas em suas qualidades, como é o caso dos antigos filmes do James Bond. “The plot comes from the character”. Uma boa história se faz com bons personagens.
3 – Como contar histórias acaba se tornando algo natural com a prática. Depois de tanto escrever episódios de diversos seriados, como os já supracitados, ele já sabe instintivamente os caminhos que deve traçar para obter uma historia interessante sem se tornar um modelo clichê. Para Dan Harmon, contar uma história é tão natural quanto respirar.

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